terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Frases pra citar (autocitações)


Em certos ambientes, melhor seria se tivéssemos pálpebras auditivas.
Pra melhor conviver com as pessoas, é preciso conviver bem consigo mesmo.
Cada um faz seu destino, mas ninguém escapa do que precisa aprender.
Às vezes, as respostas estão nas perguntas.
Eu queria conhecer o mundo, mas desconhecia os meus adentros.
Quem não olha pra dentro de si, é incapaz de contemplar o horizonte.
Certa dose de ilusão é necessária pra não se perder o brilho no olhar.
Tudo é um delicado equilíbrio.
Meu ídolo é a humildade, meu herói é o respeito.
Fãs não passam de fantoches.
Quem trabalha só pra si não sabe o que é trabalho.
O mundo é uma obra à espera da tua contribuição.
Amar a si mesmo é o primeiro passo pra conhecer o amor.
O bom exemplo é a melhor maneira de demonstrar amor ao próximo.
É nas relações humanas que se encontram as maiores tensões, e por este motivo, os maiores aprendizados.
Não tenha medo de ignorar, às vezes o descaso é a melhor lição.
Tudo na vida são energias, sintonize na Estação Positiva.
Os olhos são o espelho da alma; leia olhares...
Não dê valor à novidade, ela é efêmera.
O conteúdo sempre será mais importante que a forma.
Nada na vida é injusto, a Lei do Merecimento é a Justiça Maior.
Aprenda a ler-se a si mesmo.


(Danilo Kuhn)


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Todo mundo foi pra praia


E veio o Mestre Estudo a semear seus conhecimentos, espalhando aos quatro ventos luz e ensinamentos, construindo sonhos, iluminando ideias. Mestre Estudo não tem hora nem lugar pra trabalhar, está sempre disponível, ávido, mas todo mundo foi pra praia...
E veio o Senhor Trabalho a distribuir suas recompensas, seus frutos, sua capacidade de mudar o mundo, ajudar o próximo, erguer nações, crescer, progredir. Senhor Trabalho ama o que faz, é uma forma visível do amor, e não se encolhe, está vinte e quatro horas por dia em vigília, pronto pra arregaçar as mangas e pôr mãos à obra, mas todo mundo foi pra praia...
E veio Dom Amor a demostrar sua benevolência, seu coração grande, seu olhar puro, seu abraço largo, sua palavra de afeto, seu carinho. Dom Amor ama a tudo e a todos sem ressalvas, se enternece, se apaixona, perdoa, enobrece. Aquece o peito de corações gelados, amolece a alma das pessoas enrijecidas, une as mãos, aproxima lábios, estreita laços, sustenta casa e coração, espírito e nação. Dom Amor está eternamente disposto a amar e ser amado, mas todo mundo foi pra praia...
E veio Dona Esperança a trazer dias melhores, tempos de fartura, prosperidade, felicidade, bons fluidos, positividade, amor ao próximo, compaixão, liberdade, igualdade, fraternidade. Dona Esperança, diz-se, é a última que morre, persevera, não desiste nunca, está insistentemente de pé, erguida, firme e forte, sem soçobrar, pronta pro que der e vier, pra dar apoio aos sonhos das gentes, mas todo mundo foi pra praia...


(Danilo Kuhn)


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Blecaute


Eu tinha luz nos olhos...
Um dia, uma sombra se instalou...
A nuvem escura vinha do horizonte de minha alma, imponente. Era feita de erros do passado, remorsos, arrependimentos, amarguras, perdas e derrotas. Um vento forte e morno a anunciou, e em seguida a voz grave e rouca de um trovão estremeceu-me dos pés à cabeça. Raios e faíscas ofuscaram-me a vista, e arrepiaram-me os pelos. Então, a tempestade mostrou-me toda sua força, primeiro com uma chuva de pedras, que eram feitas de palavras pontiagudas que proferi injustamente. Depois, uma chuva de lágrimas que causei inundou-me o ser e afogou-me em desgosto...
Eu tinha luz nos olhos...
Um dia, uma sombra se instalou...
Toda luz se foi. Eu fui em busca de velas chamadas perdão, de lanternas chamadas humildade. Mas já era tarde demais...
Eu tinha luz nos olhos...
Um dia, uma sombra se instalou...
E eu fiquei na escuridão... Blecaute!

(Danilo Kuhn)


sábado, 23 de novembro de 2013

O senhor do correio furou a fila do restaurante

Pacato Cidadão estava na fila do buffet a quilo do restaurante, cansado, mal dormido, estressado, apressado, essas coisas típicas das pessoas normais. Nisso, o Senhor do Correio se achega, de mansinho, com sua marmita de quatro andares, olha para um lado, olha para o outro, dá uma disfarçadinha e, na maior cara de pau, fura a fila. Simplesmente começa a encher os compartimentos daquela marmita que mais parecia um prédio desmontável.
Pacato Cidadão engoliu a indignação, mas não se absteve de imaginar como seria se ele tivesse intervindo.
– Com licença, meu senhor, você está furando a fila – teria dito, não disfarçando insatisfação, mas mantendo certa educação.
– Não... Não... Eu combinei com a dona do restaurante... – tentaria desviar o senhor.
– Mas isso não é justo, meu senhor. Por que o senhor tem esse direito e nós não? O senhor por acaso é melhor do que nós?
– Eu não mandei essa espelunca não oferecer o atendimento adequado! Essa fila é uma merda! – cuspiria o senhor, derrubando de volta a comida que já havia armazenado, vociferando outros xingamentos à dona e aos funcionários, causando mal-estar no estabelecimento, ficando o Pacato Cidadão, em sua lógica, mal quisto pelos proprietários do restaurante, já que haveria semeado discórdia entre os clientes, e feito a casa perder um bom cliente.
No entanto, Boca Grande também estava na fila e, como não atura injustiças e aproveitamentos de qualquer espécie, bradou sem tardar, saltando a veia do pescoço, e interrompendo as conjecturações de Pacato Cidadão.
– Mas isso é uma pouca vergonha! Aquele cara tá furando a fila!
A funcionária que trabalhava na balança arregalou os olhos e empalideceu. O Senhor do Correio, cheio de si, fez que não ouviu.
– Quer dizer que se amanhã eu for no correio com uma pilha de sedex eu não preciso tirar senha? Eu posso passar na frente de todo o mundo assim na cara dura?
E o senhor continuava ignorando Boca Grande.
– Tu não vai fazer nada? Tu vai deixar assim? – questionava à funcionária. – Mas que barbaridade!
Tanto foi que o Senhor do Correio terminou de se servir, pagou e foi embora, enquanto Boca Grande resmungava aqui e ali, argumentava a um e outro. Na hora de pagar sua conta, Boca reclamou à proprietária.
– Mas veja bem – tentava apaziguar ela – eu não posso me indispor com um cliente... Não vou me incomodar... Isso nunca acontece... Você tem certeza que ele furou a fila? Talvez você tenha se enganado...
– Garanto que se enganou – disse uma voz na fila do caixa – esse aí é um boca grande!
– Melhor ser boca grande – respondeu Boca – que não ter boca pra nada!


(Danilo Kuhn)


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Escravo de mim


Eu era escravo de mim...
Trabalhava em regime escravo-de-si-mesmo.
Amava como quem prende a si próprio em uma masmorra.
Sorria como o refém sorri ao carcereiro.
Beijava como quem bate ponto na empresa.
Comprava tudo o que os olhos mandavam, ainda que o bolso gritasse “não!”.
Comia pela fome de amanhã.
Bebia pela sede da semana inteira.
Fazia todas as minhas vontades, passando por cima de tudo e de todos.
Mas houve um dia em que arrebentei as correntes, me libertei das algemas que eu mesmo me impunha, e escrevi de próprio punho a minha alforria.
Hoje, estou livre do meu egoísmo que tornava solitário, do meu orgulho que me cegava, da minha ganância que me empobrecia, do meu sucesso que me fazia decadente.
Quem se liberta de si mesmo, abre as cortinas da casa escura em que habita e vislumbra um mundo infinito lá fora, à espera...
Eu era escravo de mim...

(Danilo Kuhn)


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Dez maneiras de não morrer


Se não quiseres morrer, semeia. E a semente por ti semeada germinará sobre teu nome.
Se não quiseres morrer, planta. E à sombra da tua árvore alguém há de descansar.
Se não quiseres morrer, colhe. E o fruto do teu trabalho alimentará tua memória.
Se não quiseres morrer, constrói. E as futuras gerações hão de saudar tua obra.
Se não quiseres morrer, escreve. E cada palavra escrita na tua linha da vida será uma pedra do alicerce de teu templo.
Se não quiseres morrer, ama. E teu amor manterá viva tua lembrança em saudosos corações.
Se não quiseres morrer, trabalha. E teu suor servirá de exemplo.
Se não quiseres morrer, chora. E tua dor terá sido a virtude de quem te consolou.
Se não quiseres morrer, sorri. E tua alegria terá sido combustível a quem confortaste.
Se não quiseres morrer, vive. E tua vida não terá sido em vão.


(Danilo Kuhn)


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Por cinco minutos de fama


Ele quis galgar o merecido status de homem bem-sucedido e de empresário de renome e de talento empreendedor, foi por isso que renunciou ao seu amor camponês, puro como o mais fresco riacho e como os mais tenros morangos silvestres, para afogar-se em matrimônio frígido e insípido com a socialite sem graça, mas tapada na grana.
Ela quis exibir sua beleza angelical de pele alva e cabelos dor-do-ouro na capa da revista, foi por isso que deixou de lado seus exigentes padrões estéticos e suas expectativas afetivas juvenis para enlaçar-se com o editor de caráter duvidoso e feições repugnantes.
Ele quis curtir uma de bon vivant e aproveitar os prazeres que o mundo lhe oportunizava e lhe oferecia de bandeja, foi por isso que largou o cargo de confiança na empresa da família e abandonou a esposa com câncer e dois filhos pequenos e dependentes para aventurar-se em viagens exóticas regadas à orgias gastronômicas, bebidas, e sexo fácil e descartável.
Ela quis realizar seu sonho infante de cantar em programas de televisão em rede nacional e fazer sucesso estelar, foi por isso que abandonou as fervorosas e dedicadas orações e os cândidos louvores do coral da igreja para começar a cantar funk com letras de conteúdo pouco bíblico e coreografias pagãs.
É... Tem muita gente que vende a alma, por cinco minutos de fama.

(Danilo Kuhn)


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Crônica do semeador


O semeador traz em sua alma uma porção de sementes.
Algumas, planta com o olhar, ao fitar a mãe em seu seio, ao encantar-se com a beleza das flores, ao fazer amor fazer sentido à primeira vista.
Outras, planta com as próprias mãos, ao ofertar trabalho e dedicação ao mundo, ao guiar uma criança ou uma velhinha, um aceno, um aperto de mão.
Traz sementes nos abraços, nos sorrisos, nos carinhos, nos beijos, nas palavras doces, nos poemas, nas canções.
Há também quem semeie a discórdia, o desamor, a ilusão, a mentira, a inveja, a blasfêmia, a intriga, mas cada semente gera uma planta e, mais adiante, colhe-se seus frutos, inescapavelmente.
O semeador semeia-se a si mesmo, mesmo que algumas sementes caiam entre espinhos, ou sobre as pedras.
A vida é terra fértil, mas é preciso semear...


(Danilo Kuhn)


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Eu já sei o que eu vou ser quando eu crescer


Amanhã, quando eu crescer, quero ver desenhos em nuvens, dançando no grande palco azul. Algodão-doce celeste. Ovelhinhas do rebanho divino.
Amanhã, quando eu crescer, quero sorrir toda vez que sentir o perfume das flores, inebriando os sentidos, sem precisar fazer sentido.
Amanhã, quando eu crescer, quero me encantar com o céu estrelado, contar estrelas, me apaixonar pela lua, colecionar auroras.
Amanhã, quando eu crescer, quero que os preconceitos da humanidade não me atinjam, que meus olhos não distingam as pessoas pela cor ou credo, que meu coração não se engane com as aparências, que eu não vire as costas ao próximo, que eu estenda a mão sem pedir nada em troca.
Amanhã, quando eu crescer, quero que a minha política seja da amizade sincera, que minha moeda seja o abraço, que meu desejo seja o bem comum, que meu trabalho seja amar.
Eu já sei o que eu vou ser quando eu crescer. Quero ser uma criança.


(Danilo Kuhn)


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Não falem mal da chuva mansa!


Não falem mal da chuva mansa!
Há pessoas feitas de sol, que brilham intensamente, irradiam energia, luz, calor. São tão intensas, mas tão intensas, que por vezes queimam as flores delicadas, a relva jovem, as poças rasas.
Há pessoas feitas de lua, de olhar noturno e sedutor, e falam palavras de prata. São muito envolventes, e por este motivo, se envolvem sempre e superficialmente, abraçam sombras.
Há pessoas feitas de bruma, envoltas em mistério, que embaçam a vista, interessantes a perder-se de vista. Vaporosas, são fugidias. Escapam por entre os dedos. Não se deixam prender.
Há pessoas feitas de tempestade, impossíveis de se desaperceber, que têm olhos de raio, voz de trovão. De tão fortes que desejam ser, deixam à mostra sua maior fraqueza: a solidão.
Mas há também pessoas de chuva mansa. Pacientes, persistentes, perseverantes. Estas sim, bem regam do mais delicado jardim à mais sedenta lavoura, são equilíbrio entre luz e sombra, som e silêncio, calma e pressa, acariciam as plantas, se prendem às verdes folhas, abastecem rios sem desbarrancá-los, congregam céu e terra de maneira salutar.
Quem é chuva mansa, chove sabiamente.
Não falem mal da chuva mansa!


(Danilo Kuhn)


sábado, 28 de setembro de 2013

De bota e bombacha


Lá fora, o galo canta e a passarada desperta enquanto a aurora desponta no lombo da coxilha, onde um quero-quero sentinela saúda o nascer do dia.
Aqui dentro, a chaleira chia pra aquentar o mate e a vida enquanto o violão dedilha velhas milongas, onde a alma canta seus amargos...
Lá fora, a bicharada pede bóia e se achega ao rancho enquanto num capão de mato as jacutingas e os pombões compõem uma canção matinal, onde as árvores nativas dançam ao sabor do vento.
Aqui dentro, a rádio toca um clássico da Califórnia enquanto a erva lavada traz um gosto de saudade, onde aquela china bonita ainda cativa um coração de cimento...
Quem tem o Rio Grande em seus adentros, não precisa sê-lo lá fora.
Lá fora, a lida de bota e bombacha.
Aqui dentro, uma homenagem.


(Danilo Kuhn)


sábado, 21 de setembro de 2013

Saber entardecer


Desde a aurora de nossas vidas, recorremos mundo em direção ao pôr-do-sol.
Há dias ensolarados, quando irradiamos felicidade, boa-vontade e otimismo.
Há dias nublados, de céu encoberto, neblina da alma, em que mal sabemos para onde ir, onde estão nossos sonhos, nosso chão.
Há também dias de tempo feio, viração, temporais em nossos adentros que, depois de nos revolucionar, trazem a bonança.
Dias de chuva a encharcar o chão e os olhos.
Dias de seca no coração.
Dias de vento da mudança.
Dias de calor, primavera do amor.
Dias de hibernação.
Mas um dia chega o dia do nosso entardecer. Antes mesmo de ele chegar, sentimos que se aproxima, pois todo o dia sabe que seu destino é o horizonte. Todos nós temos uma bússola; buscamos um norte durante a vida, mas rumamos sempre para o oeste, ao crepúsculo.
É preciso, portanto, saber entardecer. E a melhor maneira é manter auroras na alma.
Quem entardece sem lume no olhar, se apaga.
Quem entardece sem brio, se curva.
Quem entardece sem lutar, se entrega.
Quem entardece sem amor, não ouve estrelas.
Quem entardece sem fé, anoitece.
Não é porque o sol sabe do poente que ele não brilha.
É preciso saber entardecer.


(Danilo Kuhn)


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Adote um bichinho!


        Acarinhava meu cachorrinho de estimação todos os dias ao sol do meio-dia, o qual eu havia escolhido dentre tantos de uma ninhada porque, ao me agachar, ele não pensou duas vezes e foi subindo pela minha roupa até alcançar minha face e me lamber. Ele me acompanhou por quinze anos, metade da minha vida. Eu e meu pai o enterramos, passamos meses vendo um vulto branco a nos acompanhar. Eu sempre sabia quando o pai passava de caminhonete perto do colégio, eu reconhecia a voz do meu cachorro latindo da carroceria. Até hoje o meu pai se engana, vez em quando, e chama de “Sucata” o Bóris, nosso atual cachorro.
Lembro que certa vez adotei uma gata de rua, batizada de “Só Love” porque era muito carinhosa. Ela deu sete filhotinhos, e neles coloquei fitinhas com a inscrição “me adote”, para lhes arrumar um bom dono.
Tive porquinhos-da-índia, que meu pai dizia terem fugido de uma aldeia e que a dita índia os estava procurando desde então. No entanto, quem ficou procurando por anos fui eu. Meus pais acharam os porquinhos mortos, o viveiro aberto, provavelmente pelo Sucata. Para eu não ficar bravo com o cachorro, me mentiram que eles tinham fugido. Lembro de ter ficado dias procurando, dando voltas na quadra. Só fiquei sabendo a verdade vinte anos depois!
Eu também tive hamsters: um deles, certa vez, se escondeu detrás do vão da minha escrivaninha, me deixando muito preocupado; outro, um vizinho sequestrou, eu vi ele e um amigo dele pulando o muro de casa, fugindo com o hamster, depois eu reclamei para a mãe dele e somente uma semana depois o bichinho reapareceu; e outro que o Sucata matou, pois havia fugido da gaiola, quando resolvi cremar o pequeno roedor, com direito a ritual e comoção.
Também tive um cachorrinho, filho do Sucata, que morava no sítio, o qual batizei de “Caim” com o intuito de dizer aos meus amigos que o meu cachorro era o único no mundo que sabia dizer o nome dele, bastava pisar em seu rabo. Ainda bem que nunca fiz isto, nem deixei que o fizessem.
E lembro que um dia eu e minha irmã ganhamos de presente um hamster cada um. Era um macho e outra fêmea. Eu, mais velho, me adiantei e disse “o meu é macho”! Minha irmã, para não perder, e com aquela criatividade inocente e perspicaz que só uma criança pode ter, por sua vez, disse “e a minha é macha”!
Ah! Estas histórias... Só pode contar quem já adotou um bichinho...
E você? Tem histórias como estas para contar? Não? Então... Adote um bichinho!


(Danilo Kuhn)



sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Onde o sol não nasce pra todos


Tem gente que coleciona garrafas de cerveja, as expõem na estante como se cada gole, cada levedura, cada sabor pudesse permanecer em sua boca.
Tem gente que coleciona corações como se fossem troféus, como se cada pessoa que lhe deu o coração o tivesse perdido para sempre.
Tem gente que coleciona decepções, não percebendo que a única decepção que se pode ter é consigo mesmo.
Tem gente que coleciona vitórias, as grita aos quatro ventos, como se as derrotas não fossem importantes.
Tem gente que coleciona medos; não sai de casa, não caminha à noite, não fala o que pensa, não vive.
Tem gente que, inclusive, coleciona vazios. Eu, coleciono auroras. Sempre que posso, acordo cedo e vejo o sol nascer. Assim como não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois ele nunca é o mesmo, nem você, nunca uma aurora é igual à outra.
Já vi auroras da mesma janela, num dia lilás e com direito a trovões azul-celeste ao oeste, e noutro vestida em brumas, noiva do dia.
Já vi auroras refletidas nos açudes, no espelho da lagoa, nas pedras da rua e nas paredes das casas.
Já vi auroras onde o azul-claro e o rosa namoravam entre nuvens. Já vi auroras no campo, sempre mais sonoras.
Já vi auroras sob o negrume da tempestade, detrás do verde-musgo do vendaval.
Já vi auroras por entre as venezianas, esmaecidas pelas cortinas. Mas nenhuma delas se compara à aurora do teu olhar... Onde o sol não nasce pra todos.


(Danilo Kuhn)


sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Oração a São Lourenço

A vós que ardestes nas brasas da incompreensão, eu rogo compreensão. Porque cá na Terra não mais me entendem, tapam os ouvidos, desviam o olhar.
Ninguém fala a minha língua, me parece que cada um tem a sua. Ninguém conversa comigo, me parece que só escutam a si mesmos.
A vós que fostes fiel e corajoso, eu suplico amizade. Porque cá na Terra a traição é epidemia, e a covardia é lei. Amigos apunhalam-me pelas costas, inimigos não têm coragem de mostrar a face.
A vós que sabeis que a verdadeira riqueza é a bondade, eu imploro intercessão. Intercedei no meu coração e ilumina-o, livra-o de todo o mal, porque a escuridão do mundo ameaça anoitecer-me. E que a centelha acendida em mim por vós incendeie meu coração e que as trevas se rendam às chamas.
Amém.
(Danilo Kuhn)


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Pra te cativar


Pra te cativar, enluarei meus olhos – lua cheia a te espiar pelas frestas da janela.
Pra te cativar, ensolarei meu sorriso – sol nascente de aquarela a luzir teu dia.
Pra te cativar, sussurrei ao pé do ouvido – brisa matinal carregando o gorjear dos passarinhos.
Pra te cativar, perfumei minhas palavras – jardim florido dançando aromas ao teu redor.
Pra te cativar, mergulhei no teu olhar – águas calmas, praia mansa, porto seguro.
Pra te cativar, eu, que era cativo de mim mesmo, me libertei pra ti.

(Danilo Kuhn)

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Diário de um pomerano


Acordo cedo para recepcionar meu companheiro de jornada, o qual me saúda do horizonte com um aceno de aurora.
O aroma e o sabor do café da manhã despertam a casa.
Rumo à lavoura ouvindo a rádio do interior, feita de cantos de pássaros, da canção do vento, dos matos e dos riachos, das vozes das crianças, dos animais da criação e do percutir da enxada na terra.
Quanto mais árduo o trabalho, mais forte é a alma.
Retornando ao lar, o amor tornado visível: minha esposa se reflete na mesa posta, na casa limpa, nos bichos bem tratados, no olhar doce dos filhos.
Em casa, falamos em pomerano, nossa língua. Sua escrita se perdeu entre guerras e provações do passado. Por isso, prezo falar. Quanto mais falamos, mais nos tornamos o que somos.
As mãos rudes não impedem de falar por entre as flores:
- Ik dáu dot bláuma futéla!

(Danilo Kuhn)