sábado, 23 de novembro de 2013

O senhor do correio furou a fila do restaurante

Pacato Cidadão estava na fila do buffet a quilo do restaurante, cansado, mal dormido, estressado, apressado, essas coisas típicas das pessoas normais. Nisso, o Senhor do Correio se achega, de mansinho, com sua marmita de quatro andares, olha para um lado, olha para o outro, dá uma disfarçadinha e, na maior cara de pau, fura a fila. Simplesmente começa a encher os compartimentos daquela marmita que mais parecia um prédio desmontável.
Pacato Cidadão engoliu a indignação, mas não se absteve de imaginar como seria se ele tivesse intervindo.
– Com licença, meu senhor, você está furando a fila – teria dito, não disfarçando insatisfação, mas mantendo certa educação.
– Não... Não... Eu combinei com a dona do restaurante... – tentaria desviar o senhor.
– Mas isso não é justo, meu senhor. Por que o senhor tem esse direito e nós não? O senhor por acaso é melhor do que nós?
– Eu não mandei essa espelunca não oferecer o atendimento adequado! Essa fila é uma merda! – cuspiria o senhor, derrubando de volta a comida que já havia armazenado, vociferando outros xingamentos à dona e aos funcionários, causando mal-estar no estabelecimento, ficando o Pacato Cidadão, em sua lógica, mal quisto pelos proprietários do restaurante, já que haveria semeado discórdia entre os clientes, e feito a casa perder um bom cliente.
No entanto, Boca Grande também estava na fila e, como não atura injustiças e aproveitamentos de qualquer espécie, bradou sem tardar, saltando a veia do pescoço, e interrompendo as conjecturações de Pacato Cidadão.
– Mas isso é uma pouca vergonha! Aquele cara tá furando a fila!
A funcionária que trabalhava na balança arregalou os olhos e empalideceu. O Senhor do Correio, cheio de si, fez que não ouviu.
– Quer dizer que se amanhã eu for no correio com uma pilha de sedex eu não preciso tirar senha? Eu posso passar na frente de todo o mundo assim na cara dura?
E o senhor continuava ignorando Boca Grande.
– Tu não vai fazer nada? Tu vai deixar assim? – questionava à funcionária. – Mas que barbaridade!
Tanto foi que o Senhor do Correio terminou de se servir, pagou e foi embora, enquanto Boca Grande resmungava aqui e ali, argumentava a um e outro. Na hora de pagar sua conta, Boca reclamou à proprietária.
– Mas veja bem – tentava apaziguar ela – eu não posso me indispor com um cliente... Não vou me incomodar... Isso nunca acontece... Você tem certeza que ele furou a fila? Talvez você tenha se enganado...
– Garanto que se enganou – disse uma voz na fila do caixa – esse aí é um boca grande!
– Melhor ser boca grande – respondeu Boca – que não ter boca pra nada!


(Danilo Kuhn)


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