A rotina tece véus em meu olhar que tudo o que vejo
é trabalho e preocupação. São contas a pagar, horários a cumprir, compromissos
a honrar. E os ponteiros do relógio são flechas apontadas para mim que me
apressam a chegar ao fim do dia com o dever cumprido. Dentro do escritório eu
não vejo através da janela o que há lá fora, apenas papéis, números, cifras.
Não vejo o cumprimento do sol em reverência a mais um dia que ganho, não vejo o
aceno das flores nos canteiros a encantar minha passada, não vejo a dança das
folhas das árvores, das nuvens, das estrelas, do vento, da chuva a embalar minhas
horas. Não vejo aos outros. Não vejo sequer a mim mesmo. E quando estou assim,
cego, só há um remédio: fugir do corre-corre da cidade e me exilar, mesmo que
apenas por uma tarde de domingo, na paz do campo.
É lá fora que eu me vejo por dentro. Vejo a
imensidão dos verdes campos da alma, do horizonte por ser descoberto. Vejo o
coração em flor prenunciando a primavera do amor. Vejo-me flutuar ao sabor do
ar puro, manso, fresco e adocicado do interior. Vejo-me beber da água
cristalina da cacimba da amizade verdadeira, do sorriso franco, da humildade,
da fé, da confiança, da sinceridade. Vejo-me comer dos frutos da terra – a mão
de Deus e Sua generosidade. Vejo-me a aprender com os animais, com a natureza,
e com as coisas simples, que são as mais importantes.
Sempre que a cidade me cega, eu abro os olhos no
campo. É lá fora que eu me vejo por dentro.