sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Crônica do semeador


O semeador traz em sua alma uma porção de sementes.
Algumas, planta com o olhar, ao fitar a mãe em seu seio, ao encantar-se com a beleza das flores, ao fazer amor fazer sentido à primeira vista.
Outras, planta com as próprias mãos, ao ofertar trabalho e dedicação ao mundo, ao guiar uma criança ou uma velhinha, um aceno, um aperto de mão.
Traz sementes nos abraços, nos sorrisos, nos carinhos, nos beijos, nas palavras doces, nos poemas, nas canções.
Há também quem semeie a discórdia, o desamor, a ilusão, a mentira, a inveja, a blasfêmia, a intriga, mas cada semente gera uma planta e, mais adiante, colhe-se seus frutos, inescapavelmente.
O semeador semeia-se a si mesmo, mesmo que algumas sementes caiam entre espinhos, ou sobre as pedras.
A vida é terra fértil, mas é preciso semear...


(Danilo Kuhn)


segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Eu já sei o que eu vou ser quando eu crescer


Amanhã, quando eu crescer, quero ver desenhos em nuvens, dançando no grande palco azul. Algodão-doce celeste. Ovelhinhas do rebanho divino.
Amanhã, quando eu crescer, quero sorrir toda vez que sentir o perfume das flores, inebriando os sentidos, sem precisar fazer sentido.
Amanhã, quando eu crescer, quero me encantar com o céu estrelado, contar estrelas, me apaixonar pela lua, colecionar auroras.
Amanhã, quando eu crescer, quero que os preconceitos da humanidade não me atinjam, que meus olhos não distingam as pessoas pela cor ou credo, que meu coração não se engane com as aparências, que eu não vire as costas ao próximo, que eu estenda a mão sem pedir nada em troca.
Amanhã, quando eu crescer, quero que a minha política seja da amizade sincera, que minha moeda seja o abraço, que meu desejo seja o bem comum, que meu trabalho seja amar.
Eu já sei o que eu vou ser quando eu crescer. Quero ser uma criança.


(Danilo Kuhn)


quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Não falem mal da chuva mansa!


Não falem mal da chuva mansa!
Há pessoas feitas de sol, que brilham intensamente, irradiam energia, luz, calor. São tão intensas, mas tão intensas, que por vezes queimam as flores delicadas, a relva jovem, as poças rasas.
Há pessoas feitas de lua, de olhar noturno e sedutor, e falam palavras de prata. São muito envolventes, e por este motivo, se envolvem sempre e superficialmente, abraçam sombras.
Há pessoas feitas de bruma, envoltas em mistério, que embaçam a vista, interessantes a perder-se de vista. Vaporosas, são fugidias. Escapam por entre os dedos. Não se deixam prender.
Há pessoas feitas de tempestade, impossíveis de se desaperceber, que têm olhos de raio, voz de trovão. De tão fortes que desejam ser, deixam à mostra sua maior fraqueza: a solidão.
Mas há também pessoas de chuva mansa. Pacientes, persistentes, perseverantes. Estas sim, bem regam do mais delicado jardim à mais sedenta lavoura, são equilíbrio entre luz e sombra, som e silêncio, calma e pressa, acariciam as plantas, se prendem às verdes folhas, abastecem rios sem desbarrancá-los, congregam céu e terra de maneira salutar.
Quem é chuva mansa, chove sabiamente.
Não falem mal da chuva mansa!


(Danilo Kuhn)