Pacato Cidadão estava na fila do buffet a quilo do restaurante, cansado, mal dormido, estressado,
apressado, essas coisas típicas das pessoas normais. Nisso, o Senhor do Correio
se achega, de mansinho, com sua marmita de quatro andares, olha para um lado,
olha para o outro, dá uma disfarçadinha e, na maior cara de pau, fura a fila.
Simplesmente começa a encher os compartimentos daquela marmita que mais parecia
um prédio desmontável.
Pacato Cidadão engoliu a indignação, mas não se absteve
de imaginar como seria se ele tivesse intervindo.
– Com
licença, meu senhor, você está furando a fila – teria dito, não disfarçando
insatisfação, mas mantendo certa educação.
–
Não... Não... Eu combinei com a dona do restaurante... – tentaria desviar o
senhor.
– Mas
isso não é justo, meu senhor. Por que o senhor tem esse direito e nós não? O
senhor por acaso é melhor do que nós?
– Eu
não mandei essa espelunca não oferecer o atendimento adequado! Essa fila é uma
merda! – cuspiria o senhor, derrubando de volta a comida que já havia
armazenado, vociferando outros xingamentos à dona e aos funcionários, causando
mal-estar no estabelecimento, ficando o Pacato Cidadão, em sua lógica, mal
quisto pelos proprietários do restaurante, já que haveria semeado discórdia
entre os clientes, e feito a casa perder um bom cliente.
No entanto, Boca Grande também estava na fila e, como
não atura injustiças e aproveitamentos de qualquer espécie, bradou sem tardar,
saltando a veia do pescoço, e interrompendo as conjecturações de Pacato Cidadão.
– Mas isso é uma pouca vergonha! Aquele cara tá furando
a fila!
A funcionária que trabalhava na balança arregalou os
olhos e empalideceu. O Senhor do Correio, cheio de si, fez que não ouviu.
– Quer dizer que se amanhã eu for no correio com uma
pilha de sedex eu não preciso tirar senha? Eu posso passar na frente de todo o
mundo assim na cara dura?
E o senhor continuava ignorando Boca Grande.
– Tu não vai fazer nada? Tu vai deixar assim? –
questionava à funcionária. – Mas que barbaridade!
Tanto foi que o Senhor do Correio terminou de se
servir, pagou e foi embora, enquanto Boca Grande resmungava aqui e ali,
argumentava a um e outro. Na hora de pagar sua conta, Boca reclamou à
proprietária.
– Mas veja bem – tentava apaziguar ela – eu não posso
me indispor com um cliente... Não vou me incomodar... Isso nunca acontece...
Você tem certeza que ele furou a fila? Talvez você tenha se enganado...
– Garanto que se enganou – disse uma voz na fila do
caixa – esse aí é um boca grande!
– Melhor ser boca grande – respondeu Boca – que não ter
boca pra nada!